sexta-feira, 15 de junho de 2007

Personagens mágicos e tragédias agudas

Em Aracataca, segue viva a inspiração para Macondo, cidade criada pelo escritor


Por Carlos Marchi


Chamava-se Academia de Bailes. Uma edificação em dois volumes, uns 150 metros quadrados, a papayera, orquestra de 12 a 24 músicos tocava ininterruptamente na Aracataca dos anos 20, epicentro da febre bananeira, onde se concentravam os bons partidos da Colômbia. As moças, esmeradas no vestido, nas jóias, na maquiagem e no penteado, sentavam-se em cadeiras alinhadas junto às paredes. Tomando uísque, os bons partidos fluíam de um lado para outro, mirando as señoritas.

De repente, o convite. Trêmula, a moça jogava no giro da roleta: daquela dança podia sair um casamento de ocasião ou a inevitável condenação à solteirice eterna ou à prostituição amaldiçoada – nenhum homem se casaria com mulher que já tivesse dançado com outro. A mesma construção centenária que abrigava a Academia de Bailes é hoje ponto de exercício do ócio; no lugar onde evoluíam os pares, jovens sem perspectiva jogam em oito mesas de sinuca, sintetizando a diferençaentre a Aracataca fantástica do início do século 20, prenhe de fantasias, da Aracataca desesperançada do século 21.

Esta é uma história de Aracataca nunca contada por Gabriel García Márquez. Como ela, existem muitas outras, plenas de personagens mágicos e pontuadas por tragédias agudas. Como disse Carlos Fuentes,com indissimulada ponta de inveja, as histórias de Aracataca se apresentaram prontas - "Aqui estoy. Así soy. Ahora, escribeme." Gabo aceitou a oferta generosa e espontânea, acolheu uma parte delas paraencorpar o realismo mágico e pavimentar a sua trajetória para o Prêmio Nobel. Nem todas as histórias - tantas eram - couberam em seus livros e ainda hoje permanecem virgens na cidade.

A INSPIRAÇÃO DE MACONDO

A 80 quilômetros de Santa Marta, capital do departamento de Magdalena, Aracataca tem hoje 52 mil habitantes, quatro vezes mais que os 12 mil habitantes de 1927, ano em que Gabo nasceu. À época, os trabalhadores sofriam os achaques da companhia bananeira; hoje, simplesmente não háempregos. Graças às patrulhas permanentes do Exército, a guerrilha das Farc já não seqüestra pessoas na estrada que vai de Santa Marta a Bosconia, que passa pela entrada da cidade. Mas os acampamentos guerrilheiros estão bem ali ao lado, nos altos da Serra Nevada, e novizinho departamento do Cesar.
A inspiração de Macondo, no entanto, segue viva. A velha botica, na esquina da Avenida Monseñor Espejo com a Rua dos Turcos, a um quarteirão e meio da casa da família Márquez Iguarán (palco, em 1950, do momento em que Gabo decidiu contar as histórias da infância), está de pé, hoje desempenhando o simplório papel de armazém. Rústica, de madeira e zinco, a velha construção tem um estranho telhado alto e inclinado, não para escorrer uma neve que nunca cairá ali, mas para"quebrar" o vento nas tormentas devastadoras de Aracataca.

Dentre todos os velhos mistérios de Macondo, a Rua dos Turcos perdeu o encanto. O seu comércio, florescente nas primeiras décadas do século 20 e palco de mistérios de Cem Anos de Solidão, hoje se resume a bares que só vendem cerveja e pobres tiendas para comercializar chamadas a partir de celulares, a 150 pesos (R$ 0,15) o minuto, revelando a indigência econômica da cidade. A única livraria faliu, constata Rafael Dario Jimenez, diretor da casa-museu Gabriel García Márquez.

O Rio Aracataca mantém suas "águas diáfanas" (menos na estação das chuvas, a partir de maio, quando elas descem amarronzadas da serra Nevada), com suas inconfundíveis pedras redondas e brancas, tal qual um inesgotável ninho de ovos pré-históricos, como o rio de Macondo. Os ciganos têm vindo pouco; quando vêm para negociar cavalos, são mal recebidos pelos cataqueros, que os têm na conta de ladrões. Os circos sumiram; vez por outra chegam parquinhos mambembes. Mas a gallera(rinha de galos) mantém a tradição que vem do início do século 20, quando Gabo nasceu.

Estado de São Paulo

quinta-feira, 14 de junho de 2007

Entrevista com escritor que escreveu uma novela em cima de Cem Anos de Solidão

O homem por trás da primeira edição de Cem Anos de Solidão, Paco Porrua relembra impacto de ler em primeira mão os originais do livro


Quando leu os três livros anteriores de Gabriel García Márquez, em meados de 1966, o editor Francisco (Paco) Porrua, diretor da Editorial
Sudamericana, de Buenos Aires, teve uma convicção premonitória.
Escreveu àquele autor de quem nunca ouvira falar até uns meses antes e
ouviu dele uma sugestão: editar "uma novela" que ele estava
terminando. A novela tinha o título de Cem Anos de Solidão. O livro
foi para as bancas de Buenos Aires em 5 de junho de 1967, uma
segunda-feira. Desde então, vendeu mais de 30 milhões de exemplares em
todo o mundo.

Hoje, aos 84 anos, vivendo em Barcelona, o catalão Paco Porrua
saboreia as delícias de seu portentoso vaticínio. Para ele, Cem Anos
de Solidão foi uma tomada de consciência de que a América Latina tinha
uma literatura à altura de qualquer continente. A fama o envolveu:
"Hoje eu não sou só Paco Porrua", diz divertido. "Aqui todos me chamam
de Paco Porrua, o editor de Cem Anos de Solidão." Ele saiu da
Argentina no momento de maior terror, em 1977, fundou sua própria
editora Minotauro, a qual vendeu há alguns anos. De Barcelona, falou
ao Estado por telefone:

Como o sr. soube da existência de Cem Anos de Solidão?

Eu nunca tinha ouvido falar dele, mas um amigo chileno me emprestou
três livros de Gabo e eu me entusiasmei. Eram Os Funerais da Mamãe
Grande, La Hojarasca e, sobretudo, Ninguém Escreve ao Coronel. Eu
mandei uma carta a Gabo, propondo editar esses livros na Argentina. Na
resposta, ele me perguntou se eu me interessava por uma novela que ele
estava terminando de escrever, sem explicar o que era. Eu disse que
tinha interesse.

Ele então lhe enviou os originais.

Ele me mandou os originais, eu li, percebi que estava diante de uma
obra de uma qualidade literária muito evidente e fechei um acordo com
ele. Mandei-lhe imediatamente US$ 500 como adiantamento. Publicamos o
livro. Mas o que aconteceu em seguida foi algo inesperado. Naquele
momento havia uma grande efervescência cultural na Argentina,
sobretudo em torno da literatura e da pintura. Nós, editores,
estávamos seguros de que o livro teria êxito. Mas o que aconteceu
superou todas as nossas expectativas.

Por que à ultima hora o senhor ainda decidiu aumentar a tiragem da
primeira edição?

Eu acreditei no clima efervescente de Buenos Aires. Para mim, a
qualidade da obra era muito evidente. Nesse contexto, 8 mil exemplares
não era muito. Mas de todas as maneiras, nós esperávamos que essa
edição se vendesse em quatro ou cinco meses - e já estaria muito bom
-, mas nunca que se esgotasse em 15 dias, como aconteceu. O entusiasmo
na cidade foi notável. Quando Gabo esteve lá, as pessoas o
interpelavam na rua - e ele não era um autor conhecido algumas semanas
antes.

Como foi que reagiram os críticos literários no lançamento?

Sem nenhuma exceção, os críticos de Buenos Aires foram muito
elogiosos. É que Cem Anos de Solidão é uma obra incomparável e tem uma
característica singular, alguma coisa própria da mitologia. Aqueles
personagens, como o coronel Aureliano Buendía e suas mulheres, eles
são uma família arquetípica, não? Isso me tocava, porque em Buenos
Aires as pessoas diziam: "Ah, o coronel Aureliano Buendía é igualzinho
ao meu avô." Todo mundo tinha uma espécie de mitologia familiar na
qual os personagens de Gabo se encaixavam perfeitamente.

Como foram suas reações com García Márquez depois do sucesso?

Nós nos vemos muito pouco, às vezes se passa um ano sem que nos
vejamos. Mas cada vez que nos vemos há uma grande emoção, creio, da
parte de nós dois. Eu sinto que o destino nos uniu. Afinal, eu sou o
editor que deu uma nova direção à sua carreira. Quando nos vemos,
realmente nos sentimos muito felizes, há muito afeto e muito carinho
de ambos. Mas minha relação com Gabo não é só a relação de um autor
com seu editor. Quando falam de mim, aqui na Espanha, ninguém fala
apenas de Paco Porrua; todos falam "Paco Porrua, o editor de Cem Anos
de Solidão". O livro virou um sobrenome para mim. Eu devo dizer que
isso me faz imensamente feliz.

Como leitor privilegiado, qual é a sua avaliação de Cem Anos de
Solidão 40 anos depois? Trata-se de um livro seminal?

Foi o livro que provocou o boom da literatura latino-americana e isso
indica que foi, também, uma espécie de tomada de consciência do valor
da literatura latino-americana, incluída aí a literatura brasileira.
Tomada de consciência de que havia, realmente, uma literatura
independente que tinha uma relação equilibrada com a literatura
européia e com a literatura mundial. Cem Anos mostrou aos leitores que
essa literatura latino-americana tinha muita qualidade, que podia se
comparar à que se fazia em outros continentes. Isso já tinha começado
a acontecer com O Jogo da Amarelinha (de Cortázar), com Os Chefes
(primeiro livro de Mário Vargas Llosa), mas aconteceu de forma muito
mais notável com Cem Anos de Solidão.

Em que plano o sr. situa Gabriel García Márquez na literatura mundial
do século 20?

Eu o situo como um grande novelista latino-americano. E mais não digo,
porque, como falei antes, resisto a fazer comparações em literatura.
Além do mais, Gabo tem um universo próprio, que não cabe comparar com
nenhum outro.

Estado de São Paulo

quarta-feira, 13 de junho de 2007

Afetos duradouros, mesmo com soco de Vargas Llosa...

Apesar do desentendimento com colega peruano, ele dá valor mítico à amizade




Gabriel García Márquez é um homem de afetos duradouros. Embora suabiografia seja pontuada por citações de libertinagens na juventude,ele se tornou um homem rigorosamente fiel - embora siga sendo umgalanteador incorrigível até hoje - desde que se casou com MercedesBarcha, em 1958, aos 31 anos, ao contrário do pai, Elígio, que namorouaté morrer.

A única desconfiança a pesar-lhe foi o soco demolidor que Mário VargasLlosa lhe aplicou em fevereiro de 1976, num cinema mexicano, quandoGabo o recebia de braços abertos para estreitá-lo num abraço. Eleseram muito amigos até que Vargas Llosa ficou transtornado com a"assistência psicológica" que Gabo, numa crise do casamento, teriadado a Patrícia, então mulher de Vargas.

Depois do soco, nunca mais. Numa exposição em Barcelona, Mercedespuxou Gabo para a saída ao ver Vargas entrar. Agora, Vargas autorizoua publicação de um resumo de seu magistral ensaio História de umDeicídio, considerado a melhor interpretação de Cem Anos de Solidão,na nova edição do livro feita pela Real Academia Espanhola da Língua.Os amigos interpretaram a autorização como um aceno para a retomada da antiga amizade.

Do outro lado, uma de suas maiores admirações, o escritor mexicanoJuan Rulfo, igualmente tímido, afastou-se quando Gabo ganhou o Nobel.Gabo ficou procurando uma forma de se reaproximar suavemente. Um diaRulfo estava na casa de Eric Nepomuceno, na Cidade do México, quandose deu a cena: sem ter sido convidado, Gabo desembarcou do carrodirigido por Mercedes, levando nas mãos uma enorme panela de massa quetinha comprado num restaurante italiano. Juntos, eles comeram, riram efalaram mal de meio mundo.

Rulfo mereceria dele uma singela homenagem. Depois de receber o Nobel,Gabo decidiu recusar toda e qualquer honraria, mas foi receber aAguila Azteca, a mais alta condecoração mexicana, concedida antes dogrande laurel literário. Quando, num rito protocolar, o presidenteJosé López Portillo lhe perguntou se aceitava a condecoração, Gabodisse que não, a não ser que seu amigo Juan Rulfo estivesse a seulado. Quebrado o protocolo, Rulfo se levantou na platéia e foisentar-se ao lado de Gabo e do presidente.

Ele é assim - dá um valor quase mítico à amizade. "Ele entende aamizade com o sentido estrito de uma máfia, em que todos atuam juntos,um protege o outro", explica o cineasta Ruy Guerra. Por isso, sócontinuaram sendo amigos dele os que entenderam esse conceito, comoÁlvaro Mutis, Carlos Fuentes e Juan Rulfo, enquanto viveu. VargasLlosa não teria entendido - e por isso todos os que conhecem Gaboasseveram: como era antes, nunca mais.

Com o pai, don Gabriel Eligio, sempre foi cerimonioso. Numa conversacom ele e sua mãe, em Cartagena, a conversa fluía mineiríssima. Derepente, Gabo contou que estava escrevendo um livro com um personagem"parecido" com o pai. E tascou-lhe a pergunta, na lata: "Você aindatransa com a minha mãe?" Don Gabriel, aos 87 anos, garantiu-lhe: "Nãoimaginas como e quanto." Gabo saiu felicíssimo, eufórico, tendo à mãoum certificado de verossimilhança para o desempenho sexual queemprestou ao personagem de O Amor nos Tempos do Cólera.

Todos concordam que ele tem um ego monumental e que parece arrogante,porque sempre impera sobre as conversas. Ruy Guerra relata que uma vezeles contaram e concluíram que Gabo tinha 11 casas ao redor do mundo. Hoje, são 7: na Cidade do México, em Cuernavaca, em Havana, emCartagena, em Bogotá, em Paris e em Barcelona. Considera-se moderno:usa computador desde 1989, quando aposentou a companheira das velhaslides - uma Smith Corona mecânica.

Há oito anos ele soube que seu dentista em Cartagena, Jayme Gazabón,ia batizar o filho e foi o primeiro a chegar à igreja de Santa Cruz deManga, em Cartagena, mesmo sem ter sido convidado. Disse ao padre queseriam padrinhos, ele e Mercedes. Foi a maior surpresa da vida deGazabón e sua mulher Angela. "Nem conversei. Pedi desculpas aospadrinhos convidados e dei meu filho para Gabito batizar", contou ele.

Seguro do ato, Gabo levou até presente para o afilhado - três CDs comcem vallenatos, com dedicatória e tudo. Depois, foi à comemoração, nosalão de festas do edifício onde moram os Gazabón e comandou a festa.Gazabón diz que empacou quando Gabo quis saber qual seria o peso deuma enorme ponga (uma espécie de baobá colombiano) plantada no jardim.

O Nobel deu-lhe fama mundial, mas nada tocou mais seu coração, garanteGustavo Tatis, do que receber o bastão-símbolo de palavrero (o líderque resolve tudo com palavras) da etnia wayúu (guaiú), do departamentode La Guajira, onde nasceu seu avô Nicolás (o coronel da Guerra dosMil Dias, que fugiu de Riohacha para Aracataca após matar MedardoPacheco, tal como José Arcadio Buendía, que fundou Macondo depois dematar Prudencio Aguilar Riohacha). A mãe Luisa Santiaga nasceu emBarrancas, um lugar típico dos guaiú.

Numa cerimônia em La Guajira, em março de 2003, o antropólogo WeildlerGuerra Curvelo, um mestiço guaiú, entregou-lhe o bastão-símbolo efez-lhe uma homenagem em idioma guaiú. Quem presenciou disse que omestiço guaiú Gabo ficou circunspecto e emocionado. É bem possívelque, para ele, aquela honraria tocasse mais que o Nobel, por revolveras mais convincentes reminiscências das profundezas de onde brotaria Macondo.

Estado de São Paulo, 12 de junho de 2007

segunda-feira, 11 de junho de 2007

Casa de Gabo vira Museu

por Marcela Wolter

Seguindo a mesma lógica das casas dos grandes escritores consagrados como a casa de William Shakespeare na Inglaterra e a de Pablo Neruda no Chile, a casa de Gabriel Garcia Marquez na Colômbia estará pronta em 2008.O prazo para inauguração é nos 81 anos de vida do autor que pretendem comemorar com a abertura da casa.

A casa de Garcia Marquez, atualmente em ruínas, começou a ser reconstruída na semana de seu aniversário de 80 anos, num ano tão consagrado de tantas datas comemorativas para o ficcionista. A idéia é manter a mesma aparência que tinha em 1927, com todos os comôdos iguais. O quarto de gabo, de seus avós, de sua tia Sara Emília e dos índios que faziam os serviços domésticos.

Uma casa museu para imortalizar o local que inspirou o grande escritor para escrever diversas de suas obras e que originou o mundo mítico de Macondo. Local que morou desde que nasceu em 6 de março de 1927 até seus 9 anos, quando saiu de lá. Para a restauração se estudaram os títulos jurídicos, se fizeram investigações técnicas sobre a construção e entrevistas com os proprietários entre 1957 a 1985. Serão incluídos detalhes que estão nos seus livros, como a fachada branca e o jardim de begonhas, e sua família doará objetos que compunham a casa.

Para fãs do escritor, é mais uma forma de conhecer mais a fundo o gênio e para a cidade, é mais uma forma de atrair turistas. Todos saem ganhando.

domingo, 10 de junho de 2007

Gabo e os direitos humanos

por Marcela Wolter

Ano de comemorações de Gabriel Garcia Marquez, onde milhões de instituições e foruns internacionais estão o homenageando por suas datas comemorativas, não podemos deixar de ressaltar e homenagear também seus feitos no campo da defesa dos direitos humanos.

Desde antes de se consagrar o grande escritor latino americano, ainda como jornalista, Gabo, como assim é chamado carinhosamente, já realizava excelentes trabalhos a favor dos direitos humanos. Seguiu a Revolução Cubana fazendo reportagens e criou junto com Fidel a Prensa Latina, agência de notícias de Cuba, sempre escrevendo artigos em defesa da igualdade. Publica dois textos de ficção que descrevem a realidade do povo latino americano e em 1965 ganha o Prêmio Nacional de seu país.

Já consagrado com o livro "Cem anos de solidão" e como sempre consciente de sua responsabilidade como intelectual de prestígio se converte a embaixador extraoficial do continente e se dedica mais ativamente a defesa dos direitos humanos e começa a estreitar laços com mandatários da América Latina de ideais progressistas, tais como, Fidel Castro, Torrijos, Carlos Andrés Pérez, os sandinistas, entre outros. É através de seu reconhecimento de escritor universal que Gabo aproveita para se dedicar a um trabalho político como mediador em conflitos e como gestor em causas sociais importantes.

Em 1974, é nomeado vice presidente do Tribunal Bertrand Russell, organização instituída para defender os direitos humanos. Nos anos seguintes luta com Omar Torrijos para devolver o canal do Panamá aos panamenhos e com seu amigo escritor Julio Cortázar pela causa dos revolucionários sandinistas em Nicarágua. Em 1979 participa da Comissão Internacional sobre os Meios de Informação e Comunicação organizada pela UNESCO.

Mas o seu principal compromisso sempre foi com a paz em seu país, participando de todas as reuniões de trabalho entre os revolucionários e o governo, apesar de todas sempre terem fracassado. Ao receber o prêmio Nobel em 1982 ratifica todas as suas opiniões de esquerda e sua luta pela dignidade em seu discurso com referências ao governos ditatoriais da América Latina, ao etnocídio, a morte de milhões de crianças, a migração por conflitos militares e defendendo a autodeterminação dos povos.

Em dezembro do ano passado foi nomeado presidente honorário da Fundación América Latina en Acción Solidaria, cujo objetivo é conscientizar a população sobre a emergência social que vivem milhões de crianças do continente, promovendo o direito aos grupos mais vulneráveis e elaborando propostas alternativas que apontem uma ajuda concreta na luta contra a pobreza.

É por isso que Gabo tem que ser condecorado não só pelo seu trabalho literário, mas também por promover ideais e lutar pelos excluídos. Ainda mais nesse tempo onde nem os intelectuais se importam com isso.

sábado, 9 de junho de 2007

Gabriel García Marques volta a seu povoado 25 anos depois

O escritor colombiano Gabriel García Márquez - apelidado carinhosamente de Gabo - retornou hoje a Aracataca, seu povoado natal, após 25 anos de ausência, e o fez no "trem amarelo" que aparece em suas obras e que percorria a zona bananeira do norte do país há oito décadas.
Gabo, seguiu assim a temporada de homenagens que começou no dia 6 de março, quando completou 80 anos, e continuou dias depois no 4º Congresso Internacional da Língua Espanhola, onde foram celebrados os 40 anos da publicação de Cem Anos de Solidão, seu principal romance, e os 25 do Prêmio Nobel de Literatura.
Segundo amigos do escritor, García Márquez estava reticente em retornar a Aracataca por causa de uma espécie de presságio, que o fazia temer ser a última vez a fazê-lo.
O trem amarelo, que na realidade é cor de creme e azul celeste, é formado por uma locomotiva identificada com o número 1047, que leva três vagões, um deles com cadeiras laterais de madeira e persianas amarelas, ao estilo dos anos 40, como narra o escritor em seus livros.
O trem partiu da estação ao lado do porto de Santa Marta, a cidade mais antiga da Colômbia, fundada em 1525, e capital do departamento (estado) caribenho de Magdalena, levando quase quatro horas para cobrir os 80 quilômetros do percurso. No vagão principal iam García Márquez - vestido de branco -, sua esposa Mercedes e cerca de 50 familiares e amigos, funcionários e empresários que promovem a recuperação da rota ferroviária.
O escritor recebeu uma ligação de um de seus amigos mais conhecidos, o ex-presidente americano Bill Clinton, que o acompanhou no dia 26 de março na cidade colombiana de Cartagena, na homenagem que foi feita a ele durante o 4º Congresso da Língua Espanhola.
O trem é um projeto turístico e cultural que pretende recuperar esse sistema de transporte e impulsionar o desenvolvimento e a cultura da região.A locomotiva foi fabricada em 1969 pela Sociedade Espanhola de Construções Basbcock e Wilcox, com licença da General Electric.
Os vagões foram restaurados em uma oficina perto de Medellín e chegaram em caminhões a Santa Marta poucas horas antes da partida.Após serpentear as montanhas à margem do mar, a ferrovia se abriu passagem entre os bananais, enquanto os habitantes dos povoados e trabalhadores das fazendas saíam para saudar a caravana. Os vagões passaram por Gaira, Bonda, Ciénaga, Riofrío, Orihueca, Prado, Sevilla - que foi a sede da empresa americana United Fruit Company-, Guacamayal, Tucurinca e, finalmente, Aracataca.Foi entre Guacamayal e Sevilha de onde se diz que saiu o nome de Macondo, imortalizado como universo mítico da obra de García Márquez e que, segundo diferentes estudiosos, provém do nome de um tipo de banana de origem africana ou de uma das fazendas da região.
Ao chegar a Aracataca, o escritor passeou pelas ruas poeirentas em uma carroça puxada por cavalos e no final não subiu em um automóvel conversível dos anos 40 que tinham preparado para ele, no meio de 34 graus centígrados à sombra. Depois foi a um almoço no qual foram serviram pratos típicos como um guisado de uma variedade local de pescado, salada, arroz com coco, bifes, "cayeye" - um purê feito com bananas pequenas - e de sobremesa, doce de corozo, uma fruta do Caribe.
As estações do "trem amarelo" guardam pouco dos bons tempos vividos pela região, cenário da célebre greve das bananeiras em 1928 e do não menos famoso massacre de trabalhadores, mencionados por García Márquez em suas obras, que falam de vagões levando centenas de cadáveres para jogá-los no mar. Em alguma parte de "Cem anos de solidão", seu autor lembra a Aracataca "estremecida por um assobio de ressonâncias pavorosas, e uma descomunal respiração" do "inocente trem amarelo".
Hoje, após percorrer 80 quilômetros chegou a Aracataca, onde se deteve no meio de um profundo suspiro enquanto se suscitava uma fuga precipitada ao redor do vagão e as crianças aclamavam Gabo em uma estação pintada com borboletas amarelas, como as que revolviam ao redor de Maurício Babilônia em Cem Anos de Solidão.
O escritor do realismo mágico, conhecido por sua lendária timidez e surpreendido pelas mostras de afeto das pessoas, se limitou a fazer cara de pânico pelo que o esperava ao descer do trem e a dizer: "Todos sabem que eu não inventei nada?".

Agência EFE

Gabriel García Márquez. Entre a amizade com Fidel e o fascínio pelo poder


O mínimo que se espera de um escritor é que seja um rigoroso guardião da liberdade de expressão. Mas Gabriel García Márquez sempre colocou sua amizade com Fidel Castro acima disso. Seus amigos se desdobram em explicações para o seu compadrio com Fidel. Admitem que Gabo tem fascinação pelo poder, mas essa admiração se bifurca, ora atende a critérios político-ideológicos, ora obedece ao mando dos afetos pessoais. Fidel, dizem, está nessa segunda conta. A reportagem é de Carlos Marchi e publicada no jornal O Estado de S. Paulo, 3-06-2007.

Também se espera de um escritor que tenha sensibilidade humanista. É esse manto que abriga hoje um Gabo bem menos à esquerda do que em tempos passados. Amigo de Fidel, sim, mas sem esquecer a demissão atribulada da agência noticiosa cubana Prensa Latina em 1961, porque seus textos desagradavam a Havana. Demitido, nunca receberia a indenização. Sem dinheiro, foi de Nova York à Cidade do México de ônibus. O único lenitivo foi conhecer, da janela do ônibus, o sul dos EUA, cenário das novelas de William Faulkner, sua influência. Se não doeu na alma, ele confessa aos amigos que doeu no corpo chegar à Cidade do México com mulher, dois filhos pequenos e apenas US$ 200 no bolso. Doeria na alma, após a fama, descobrir que os textos que redigira para a Prensa Latina tinham sido expurgados do arquivo da agência, em Havana. Mesmo assim, a amizade com Fidel frutificou.

O jornalista Flávio Tavares encontrou-o com os filhos, em 1963, na sala de espera do pediatra Amador Pereira, um espanhol que atendia os filhos dos esquerdistas na Cidade do México. Na ocasião, Gabo contou-lhe que tinha sido demitido da Prensa Latina em Nova York porque os cubanos achavam que ele escrevia textos notoriamente “burgueses”. “Parecia magoado”, rememora Flávio.

Gabo já singrou muitos espectros ideológicos. A formação original é conservadora. “Cem Anos de Solidão é uma saga de autoritários e conservadores”, observa Gustavo Tatis, editor cultural de El Universal, o principal jornal de Cartagena. Depois caminhou para a esquerda; perdeu ímpeto após sair da Prensa Latina; depois derivou novamente para a esquerda. Em 1981 foi acusado de envolver-se com a guerrilha do M-19 na Colômbia e expulso do país.

A seu antigo editor brasileiro, Alfredo Machado, confessou certa vez que era um “comunista aristocrático”, conta o filho Sérgio Machado. Adora os valores da vida burguesa: boa comida, charutos e uísque puro malte. Hoje, na Colômbia, não fala de política: nunca elogiou a guerrilha e, em 1998, apoiou em público o candidato Andrès Pastrana, do Partido Conservador.

O político por quem teve maior afeto foi o ex-presidente do Panamá, Omar Torrijos, cujo marco ideológico era o antiamericanismo. Quando Torrijos morreu num acidente aéreo suspeito, disse a amigos que não foi ao enterro porque não agüentava “enterrar os amigos”. A partir daí, aproximou-se de Fidel, com quem fala muito sobre livros, comida e conspirações.


FIDEL, SÍ; CHÁVEZ, NO

Um amigo atalha: se a proximidade com Fidel tivesse razões ideológicas, ele seria também um admirador de Hugo Chávez. No entanto, Gabo nunca nutriu a menor admiração pelo venezuelano ou seus parceiros da aventura bolivariana.

Até os anos 90, “cumpriu tarefas” para Fidel: deu “recados” para o mundo, serviu de intermediário de mensagens a Bill Clinton, de quem é amigo pessoal.
Também tem forte ligação afetiva com o ex-primeiro-ministro espanhol Felipe González, um socialista moderado. Guarda uma amizade de 60 anos com o escritor colombiano Álvaro Mutis, que como ele mora na Cidade do México e que, mais que conservador, é monarquista. “Nós nos queremos muito. Nunca tivemos uma mínima rusga. Juntos, passamos momentos duros e alegres”, disse, com imensa doçura, Mutis.

Mas as “tarefas” que os amigos mais exaltam são as intervenções humanitárias. Em 1980, quando Fidel liberou as saídas de cubanos para os EUA em Puerto Mariel, Gabo internou-se no Hotel Riviera, em Havana, para negociar a liberação de intelectuais presos entre os 125 mil cubanos que optaram por Miami. Também mediou secretamente a libertação de alguns seqüestrados pela guerrilha colombiana. Amigos garantem que no período duro da revolução cubana - o ‘qüinqüênio gris’ -, nos anos 70, ele operou para amenizar a censura.

Recebeu como tarefa o pedido do escritor chileno António Skármeta para escrever o livro-documentário A Aventura de Miguel Littín Clandestino no Chile. Produziu, com Littín, que à época passava por grandes dificuldades financeiras no exílio, uma peça instigante. Mas, para desespero do chileno, doou os direitos autorais integrais à escola de cinema de San Antonio de los Baños, que tinha criado em Cuba. E não era pouco: US$ 750 mil.

Em março de 1974, escreveu um livro sobre os últimos dias do ex-presidente Salvador Allende - Chile, el Golpe y los Gringos - com o jornalista brasileiro Eric Nepomuceno e prometeu não escrever mais novelas enquanto Augusto Pinochet mandasse no Chile. Os direitos foram doados a grupos que defendiam a redemocratização chilena.

Odeia ‘gringos’, mas não se incomodou quando o ex-presidente Bill Clinton o encontrou, na homenagem que o rei da Espanha lhe prestou há três meses, em Cartagena, e lhe espetou na lapela um button da campanha de sua mulher Hillary à Presidência dos EUA. Poucos perceberam, mas a foto de Gabo com aquele button na lapela foi multiplicada na imprensa latina dos EUA. Não há dúvida: Gabo é um formidável formador de opinião em comunidades latinas de qualquer latitude.